In Expresso

A Caixa Geral de Depósitos deixou de ter a maior carteira de crédito concedido na atividade em Portugal. Foi superada pelo Santander Portugal no conjunto dos primeiros nove meses deste ano. A margem é mínima (e o banco público até diz que não é verdade, se se somar a carteira de leasing e factoring). E há o argumento de que a CGD continua a ser hegemónica nos depósitos. Mas se há coisa que Paulo Macedo sabe é que a liderança e a dimensão são relevantes: é essa a razão pela qual diz que a Caixa estará atenta aos movimentos de consolidação que possam vir a acontecer no país, a imitar a tendência europeia.

No mercado, e nas várias conversas que o Expresso teve ao longo das últimas semanas, o Banco Montepio e o Novo Banco são as instituições mais frequentemente apontadas como possíveis alvos de operações de fusões e aquisições. Há, no entanto, quem também aponte o BCP por causa da sua dividida estrutura acionista. De Espanha, o CaixaBank (dono do BPI, a braços com o casamento com o espanhol Bankia) e o Santander já têm bancos por cá, mas foram referidos como potenciais compradores pelo Goldman Sachs, numa análise recente.

E é aí que entra a CGD: não ficará indiferente ao ver-se ameaçada no campeonato da dimensão. Mas nem só de grandes bancos se faz este movimento. Convém não esquecer que há pequenos bancos à venda em Portugal, como o EuroBic.

EMPURRADOS PARA O CASAMENTO...

Em Frankfurt, onde hoje se supervisiona a banca europeia, não há dúvidas que é o caminho da consolidação que se deve seguir. Há até legislação em curso para flexibilizar estas transações. Como deixou bem claro, no início do mês, o presidente do conselho de supervisão do Banco Central Europeu, Andréa Enria: “Para responder aos desafios da pandemia, não podemos perder de vista o facto de que o sector bancário já estava afetado por fraquezas estruturais quando a crise chegou. A rentabilidade persistentemente baixa, causada pelo excesso de capacidade e pela baixa eficiência, levou o valor dos bancos a mínimos históricos. Nunca como agora foi necessário enfrentar estas questões estruturais. Uma forma de remover esse excesso de capacidade e de reposicionar os bancos europeus como pontos de investimento é a consolidação.”

“A consolidação é algo que vai acontecer. É uma tendência. E esta crise vai ser um acelerador da consolidação, tanto doméstica como internacional”, disse já Miguel Maya, líder do BCP. Na banca, António Ramalho, do Novo Banco, tem sido o mais cético, avisando que o sector tem mantido, há décadas, uma distribuição por cinco grandes bancos.

O economista, e antigo administrador da CGD, António Nogueira Leite, acredita que haverá redução de entidades no sistema português. “E muito natural que tenhamos menos bancos de retalho do que os que temos agora. É muito difícil que não haja consolidação da banca em Portugal nos próximos anos, em particular com um cenário que se antevê de margens muito baixas em resultado da manutenção de indexantes muito baixos. Por outro lado, em consequência da atual situação económica, devido à crise pandémica, sobretudo ao nível das empresas, coloca-se uma pressão adicional sobre a banca que poderá facilitar a criação de bancos maiores”, explica.

Neste momento, os bancos estão com os resultados em queda, muito por conta da necessidade de colocar dinheiro de lado para precaver perdas causadas pela pandemia. O que tem impacto direto no retomo que os investidores tiram do investimento (a rendibilidade sobre os capitais próprios, o ROE). Todos estão em queda e longe dos valores confortáveis que tornam a banca num sector atrativo (ver gráficos).

Concentrados, os bancos aumentam a dimensão, alargando a base de clientes (e daí receitas) e conseguem reduzir a estrutura de custos (serviços centrais, sobretudo, mas também a rede de distribuição). São as chamadas sinergias. “A grande vantagem da consolidação é a de criar escala propiciadora a trazer mais inovação e melhor perfil junto dos mercados”, sintetiza Paulo Pinho, professor da Nova SBE e consultor de empresas financeiras. E, adianta, “os bancos de retalho portugueses, até pela sua dimensão, acabam por ter estruturas mais pesadas face à dimensão do mercado onde atuam”.

BODA NACIONAL OU INTERNACIONAL?

Se a ideia de que os casamentos vão existir é transversal, não há grande consenso sobre a origem dos noivos. “O supervisor parece claramente preferir operações de natureza transnacional, dado que mesmo as maiores instituições portuguesas terão escala insuficiente para viabilizar a adoção de novas tecnologias de distribuição — sobretudo na banca de particulares e PME — agora emergentes, assim como aceder aos mercados debaixo de um ‘chapéu de chuva’ internacional, mais reputado”, continua o professor da Nova SBE. Uma ideia partilhada com Pedro Lino, presidente executivo da gestora de fundos Optimize. “Existindo falta de capital em Portugal, e não sendo um sector com elevada rentabilidade esperada, qualquer movimento de consolidação terá de envolver acionistas ou entidades estrangeiros”, admite o especialista. O presidente executivo do BCP avisou já que a possível deslocação de valor para o estrangeiro é uma matéria que carece de atenção das autoridades.

Já o analista da corretora XTB, Henrique Tomé, acredita que “faz todo o sentido uma operação doméstica, pois os clientes portugueses são muito fiéis ao legado que os bancos transmitem aos depositantes”. Nogueira Leite tem a mesma crença, mas por outro motivo: “No mercado português, tendo em conta que já não é tão atraente como no passado, é mais natural que a consolidação aconteça com bancos que já estão presentes.” Para Paulo Pinho, existiriam mais vantagens se o comprador fosse um banco estrangeiro relevante no plano europeu: “Acrescentaria valor, sinergias e poderia trazer alguma inovação. A grande desvantagem está em deslocalizar para o estrangeiro mais um importante centro de decisão de crédito, que ficaria dependente de decisores estrangeiros que dão sempre primazia ao seu mercado nacional em tempos de crise.”

A presidente da Autoridade da Concorrência, Margarida Matos Rosa, já avisou que está atenta, alertando que a junção de bancos de grande dimensão é diferente de operações que juntem bancos mais

Como tem acontecido ao longo da história, a consolidação pode ser amigável ou forçada. A supervisão europeia tornou-se capaz de ditar o caminho, nomeadamente através da determinação dos rácios de capital mínimos que os bancos têm de cumprir. O Novo Banco e Montepio são aqueles em que a solidez, medida através do peso dos melhores fundos próprios no negócio, está mais fragilizada.

“O Novo Banco é um dos bancos que poderá ser objeto de consolidação interna já que a Lone Star quererá sair”, acredita António Nogueira Leite. A venda do Novo Banco pela Lone Star, acionista desde 2017, era uma evidência dada como certa por todo o mercado, mas, nos últimos tempos, tem havido quem aponte para outras possibilidades: a fusão do banco, podendo os americanos permanecer como acionistas. Neste momento, está ainda distante a recuperação dos €1000 milhões que investiram na instituição. O banco tem uma carteira de crédito a empresas bastante relevante (acima até da CGD), que pode ser apetecível para os concorrentes agora mais virados para o crédito a particulares.

O Governo pode ter uma palavra a dizer, já que, neste momento, tem direito a ficar com 13% do banco por conta do regime que concedeu borlas fiscais à custa de participação acionista (e nunca esquecer que o Executivo de António Costa resolveü vários obstáculos quando foi preciso mexer na CGD, BPI e BCP). E há um plano de reestruturação acordado com Bruxelas que limita o que o banco pode fazer até ao fim do próximo ano.

A junção do Novo Banco ao BCP é ciclicamente referida (aliás, desde a venda), mas Miguel Maya assegurou recente- mente que o banco não tem qualquer projeto de crescer por aquisição (mas também não nega olhar os dossiês que forem abertos no país). E, neste aspeto, Paulo Pinho diz que esta operação iria “seguramente reduzir a intensidade concorrencial”, sem ganhos para o cliente.

BCP E A ESTRUTURA DIVIDIDA

“O BCP é atualmente bem gerido, mas os maiores acionistas não têm certamente uma atitude muito favorável por parte dos reguladores europeus, como têm o CaixaBank e o Santander”, acredita Nogueira Leite. A chinesa Fosun e a angolana Sonangol são as principais donas. A Fosun entrou em 2016 com 16% do BCP, subindo, no final de junho, aos 29%, próximo da autorização de 30% que foi concedida pelo BCE. Mas não esquecer que, no mundo dos negócios, o dinheiro também tem nacionalidade e a tensão entre os Estados Unidos e a China continua a existir (algo mudará com Joe Biden?). O embaixador dos EUA em Portugal veio há pouco tempo acrescentar uma nova chama, ao dizer que o país tinha de escolher entre os aliados e os chineses. George Glass também levantava aí uma ideia: a de que o investimento chinês era agora menos estável do que há dez anos.

“A Fosun continua a apoiar o BCP. É uma empresa com grande potencial, dotada de equipas de excelência. Estamos muito empenhados em providenciar todo o suporte necessário ao desenvolvimento do banco”, diz fonte da Fosun ao Expresso. O grupo que detém a seguradora Fidelidade (de que a CGD tem 15%) reforçou o seu peso no BCP este ano, mas, por agora, está barrada a ir mais além. Já a Sonangol nunca chegou a superar a fasquia dos 20% a que chegou a ter luz verde. O BCE teria de aceitar.

O BCP está cotado, o que pode trazer uma maior pressão para resolver eventuais desequilíbrios. “Alguns bancos europeus, entre os quais o BCP, estão a transacionar a apenas 20% do valor contabilístico, o que nos dá a dimensão da incerteza dos riscos que o sector irá atravessar, e o receio dos investidores em colocarem dinheiro num sector que não para de destruir valor desde 2008”, sublinha Pedro Lino, acrescentando que “o sector financeiro está a transacionar a múltiplos extremamente baixos, em virtude da compressão de margens, concorrência, e incerteza relativamente ao nível de provisões neces­sárias para fazer face a in­cumprimentos que, não tenhamos dúvidas, virão a partir do próximo ano”.

Henrique Tomé afirma, ao invés, que estas ope­rações de consolidação “são mais fáceis quando o banco não é cotado — tendo em conta que não é necessário cumprir tantos requisitos e normas”.

AUTORIDADES ATENTAS A MONTEPIO

Um dos possíveis alvos destas operações é o Banco Montepio, que tem gerado preocupações das autoridades e também de grupos de associados, de antigos opositores de Tomás Correia, que pedem a intervenção do Governo (“Faremos tudo para proteger os associados do Montepio”, disse António Costa, em 2018).

“A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) encontra-se naturalmente a analisar a capacidade financeira da AMMG, considerando ainda que a mesma é acionista maioritária de outros ativos financeiros, onde o Banco Montepio se inclui”, respondeu o supervisor ao Expresso. Há troca de informações entre a ASF e o Banco de Portugal que supervisiona o banco. Existe mesmo um anteprojeto, em consulta pública, para o novo Código de Atividade Bancária, onde o supervisor passa a ter uma palavra a dizer quando um acionista de peso não tenha capacidade financeira para suportar eventuais aumentos de capital numa instituição. Na prática, passa a dispor do poder para obrigar o dono a vender parte ou toda a entidade.

Embora tenha no seu nome a designação “Banco”, o Montepio é uma caixa económica bancária, pelo que tem um regime jurídico próprio, que define que as caixas económicas têm de ser detidas, na sua maioria, por instituições do terceiro sector, que sigam fins de assistência social, como misericórdias. Já houve um ensaio, que não correu bem devido à oposição política. Em vez de €200 milhões, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa acabou a pôr apenas €75 mil. Paulo Pinho dá a sua opinião: “Se estivesse à frente da associação, estava a tentar reduzir a exposição ao banco, abrindo o capital a um banco nacional ou estrangeiro que pudesse aportar capital e tecnologia.”

“Embora esteja fora da supervisão direta do BCE, e apesar de ter hoje uma gestão profissional com provas dadas, tem alguns problemas face ao seu acionista, a Associação Mutualista Montepio, cujos problemas são ainda maiores dos que o do banco que controla. A associação do Montepio está sustentada nos seus associados e por isso a sua capacidade para fazer face a eventuais aumentos de capital no banco, caso seja preciso, é muito limitada”, continua Nogueira Leite.

Por sua vez, o Banco Montepio lembra que não é o mercado português o único que está sob a perspetiva de consolidação, que é uma tendência europeia, e refere que já há um “nível de consolida­ção relevante para uma economia” como a portuguesa. Há anos, falou-se numa possível aliança com o Crédito Agrícola (CA), que é detido pelas várias caixas re­gionais, mas o processo nunca chegou a avançar, ainda que o banco cooperativo até já se tenha colocado há anos na lista de possíveis interessados em aquisições, quando olhou para o BBVA em Portugal.

QUEM PODE COMPRAR

O BBVA, num passado distante, tentou comprar, sem sucesso, o BCP, mas nunca deixou de ser apontado como um dos players espanhóis a olhar para a consolidação. Outro é o Abanca. “Continuamos a assistir ao interesse dos bancos espanhóis. Na próxima vaga de fusões, não vejo que seja possível a participação de capital chinês, brasileiro ou angolano”, opina o especialista Pedro Lino. Quer o CaixaBank quer o Santander foram os bancos que a Goldman Sachs sinalizou como possíveis interessados no BCP.

“A transformação que os bancos estão a passar exige elevados investimentos em tecnologia, que implicam ter que haver escala para serem rentáveis”, comenta Pedro Castro e Almeida, CEO do Santander, ao Expresso. É o banco com maior rácio de capital em Portugal, mas o grupo teve de registar perdas volumosas muito recentemente, para adequar o valor das unidades que tem pelo mundo.

Já o CaixaBank é protagonista da fusão que decorre com o Bankia em Espanha. E, para já, o dono do BPI não estará a olhar para Portugal. João Pedro Oliveira e Costa, CEO do BPI, não enjeita nada mas já referiu que não prevê “nenhum movimento de consolidação nos tempos mais próximos”.

A Caixa Geral também não tem no seu horizonte movimentos de consolidação, mas o tema “não é indiferente”. “Um banco público justifica-se também pelo poder de ação que tem no mercado e para isso tem de ter dimensão”, respondeu ao Expresso Paulo Macedo. “Não só há vontade das autoridades como há procura de sinergias e menores custos.”

Paulo Pinho não acredita que a Caixa seja neste momento “um player num quadro de consolidação”, só sucederia “em caso de último recurso”. O especialista alvitra que “a próxima vez que houver uma crise soberana e o Estado tiver dificuldades, a CGD é dos poucos ativos que o Estado conseguirá privatizar”, o que “não será fácil no plano político”. Já Nogueira Leite adverte: “Temos um banco público através do qual haverá sempre a tentação para ser utilizado em consolidações internas, mas existem problemas já que isso implica a abertura de capital a privados e como tal existem muitos limites ao nível da Comissão Europeia.”

A CGD termina este ano o plano estratégico acordado com Bruxelas na sequência da sua recapitalização, que dificulta a participação em aquisições. Sem amarras, vai pôr aliança?