A publicação marca o fim de um processo de consulta pública. Para se ser banqueiro há regras iguais para todos: Experiência; reputação; não existência de conflitos de interesses e independência; compromisso em termos de disponibilidade temporal; e adequação da equipa como um todo. O guia só não define o tempo máximo para as decisões.

O Banco Central Europeu acaba de publicar um guia que visa harmonizar a aplicação de critérios de avaliação aplicáveis ​aos processo de avaliação da adequação e idoneidade (fit and proper) dos membros dos órgãos de administração de bancos. A publicação marca o fim de um processo de consulta pública. O documento garante também a consistência das avaliações do BCE com os critérios do processo de fit and proper, em termos de qualificações, competências e posição adequada de um candidato ao “board” de um banco, seja para um cargo executivo ou para um cargo não executivo.

“O guia explica como a Supervisão Bancária do BCE assegura a coerência na aplicação dos critérios de avaliação da adequação e idoneidade, com vista a estabelecer práticas de supervisão comuns para a avaliação das qualificações, competências e postura idónea de um candidato a um cargo num órgão de administração de uma instituição de crédito – por exemplo, como presidente da comissão executiva (Chief Executive Officer – CEO) ou como membro não executivo do órgão de administração”, diz o BCE.

O guia também aumenta a transparência dos critérios de avaliação da supervisão bancária do BCE e das suas práticas e procedimentos de supervisão.

Isto surge numa altura em que há casos ainda pendentes de aprovação por parte do BCE. Por exemplo a adequação e idoneidade do Conselho de Administração do BPI, eleito em Assembleia Geral de 26 de abril; alguns administradores não executivos da CGD (e um executivo, Carlos Albuquerque); o caso de administradores não executivos do Novo Banco que ainda não tiveram luz verde do BCE.

Outro caso em que o tempo de análise tem sido discricionário é a autorização pelo Mecanismo Único de Supervisão para aquisição de participações qualificadas em bancos europeus (mesmo os de menor dimensão). O Banco Efisa demorou mais de um ano até chegar a decisão de não autorização de venda à Pivot SGPS e a venda do Banif BI aos chineses da Bison Capital ainda não tem decisão formal, apesar de terem passado nove meses desde a assinatura do acordo de venda.

O guia publicado nesta segunda-feira fornece esclarecimentos com mais detalhe sobre a experiência e tempo de compromisso que são exigidos aos administradores, no caso dos processos de fit and proper, bem como potenciais conflitos de interesse.

Apesar de ter havido liberdade na transposição da diretiva no que se refere ao processo de fit and proper dos administradores dos bancos e de, por isso, haver diferenças entre os 19 Estados-membros (diferenças essas que têm servido muitas vezes para explicar a longa demora dos processos de avaliações dos Conselhos de Administração ou de administradores individualmente), a verdade que todos os países exigem cinco requisitos essenciais nestes processos: Experiência; reputação; não existência de conflitos de interesses e independência; compromisso em termos de disponibilidade temporal; e adequação da equipa como um todo.

O que exige o BCE para se ser banqueiro?

Os membros do órgão de gestão de um banco devem dispor de conhecimentos, e experiência para cumprir as suas funções. O termo “experiência”, é aqui utilizado em sentido lato, abrange tanto a experiência prática, profissional adquirida em profissões anteriores como a experiência teórica (conhecimentos e competências) adquirida através da educação e da formação.

A todos os administradores é exigida experiência teórica básica que cubra as seguintes áreas (embora para algumas posições possa ser obtida através de formação específica): mercados financeiros; quadro regulamentar e requisitos legais; planeamento estratégico e compreensão da estratégia de negócio ou plano de negócios de uma instituição de crédito e sua implementação; gestão de riscos (identificação, avaliação, monitorização, controlo e mitigação dos principais tipos de risco de uma instituição de crédito); contabilidade e auditoria; avaliação da eficácia das regras de uma instituição de crédito, assegurando uma governação, supervisão e controlos eficazes; interpretar as informações financeiras de uma instituição de crédito, identificando questões-chave baseadas nestas informações e controlos e medidas adequadas.

São também exigidos experiência e conhecimentos específicos para a função concreta que o administrador vai desempenhar.

A experiência adicional pode ser considerada necessária com base em factores relevantes, como a função, a natureza, o tamanho e a complexidade da entidade, ou outros fatores que precisam de ser levados em conta no caso específico.

A formação académica deverá estar relacionada com serviços financeiros ou outras áreas relevantes (principalmente bancos e finanças, economia, direito, administração, regulação financeira, informação e tecnologia, análise financeira e métodos quantitativos).

A experiência prática é avaliada com base em posições anteriores, tendo em conta a duração da prestação dos serviços, a dimensão da entidade, as responsabilidades exercidas, o número de subordinados, a natureza das actividades realizadas, a experiência adquirida, etc.

Mas há mais requisitos que são exigidos para se ser “banqueiro”. Os membros do órgão de gestão de um banco devem ter sempre uma boa reputação, para assegurar uma gestão sã e prudente da entidade supervisionada. Um nomeado será considerado de boa reputação se não houver evidência para pensar o contrário e se não houver razões para ter dúvidas razoáveis sobre a sua boa reputação. Se a conduta pessoal ou comercial de uma pessoa designada suscitar dúvidas quanto à sua capacidade de assegurar uma gestão sã e prudente da instituição de crédito, a entidade supervisionada e/ou a pessoa designada devem informar a autoridade competente, que avaliará a materialidade das circunstâncias.

Por exemplo processos criminais ou processos administrativos pendentes – assim como concluídos – podem ter impacto sobre a reputação da pessoa designada e da entidade fiscalizada, mesmo se a pessoa nomeada o tiver sido numa altura diferente daquela em que os eventos relevantes ocorreram. Por exemplo quando Armando Vara, vice-presidente do BCP na altura, foi constituído arguido no processo Face Oculta, que tinha a ver com a sua atividade enquanto político e não enquanto banqueiro, hoje perderia, quase garantidamente, no mesmo momento, a autorização para continuar a poder estar na administração do banco.

E mesmo em casos em que os acusados depois não são condenados em Tribunal, se essa ausência de condenação for apenas por meras questões processuais fica na mesma sem autorização para continuar a gerir um banco.

No que se refere à divulgação, mitigação, gestão e prevenção de conflitos de interesses, o BCE estipula no guia que os membros dos órgãos de gestão devem ser capazes de tomar decisões independentes e essa independência pode ser afetada por conflitos de interesse.
Há um conflito de interesses se a realização dos interesses de um membro poderem afetar negativamente os interesses da entidade supervisionada.
Ter um conflito de interesses não significa necessariamente que uma pessoa nomeada não pode ser considerado adequado. Isso só será o caso se o conflito de interesses constituir um risco material e se não for possível evitar,  mitigar ou gerir o conflito de interesses.

Um representante de um acionista ou de acionistas não está impedido de ser membro do órgão de administração. No entanto, se os conflitos de interesses surgirem, eles devem ser adequadamente tratados pela entidade supervisionada.

Outro fator em causa na avaliação fit and proper é o compromisso em termos de tempo disponível para a função. Dado que a realização de mandatos múltiplos é um factor importante que pode afectar o compromisso temporal, a diretiva CRD IV estabelece um limite no número de “cargos dirigentes” que podem ser detidos por um só membro do órgão de gestão de uma instituição que seja “significativa” em termos da sua dimensão, da sua organização interna e da sua natureza, alcance e complexidade das suas actividades. O número de cargos de gestão que podem ser detidos por um membro, ao abrigo da CRD IV, é limitado a uma administração executiva com duas não executivas, ou a quatro administrações não executivas.

No entanto, existem duas excepções a esta regra. As administrações em organizações que não tenham objectivos predominantemente comerciais (por exemplo fundações culturais, ou em organizações sociais, religiosas, por exemplo, não contam). No entanto, a presença no órgão de gestão de tais organizações pode ter um impacto sobre o tempo total disponível e por isso têm de ser declarados como parte da notificação do processo de fit and proper.
E a outra excepção é que há certa administrações múltiplas que contam como uma única administração, por exemplo cargos de gestão no mesmo grupo; ou em subsidiárias, entre outras similares.

Diz o BCE no seu guia que a entidade supervisionada (banco) tem a responsabilidade de identificar lacunas na adequação coletiva do Conselho de Administração através da auto-avaliação e deve reportar e discutir estas lacunas com a equipa de supervisão conjunta – Joint Supervision Team (composta por membros do BCE/MUS e do banco central local), uma vez que a supervisão da adequação colectiva do órgão de gestão é uma questão de supervisão corrente.

A quem cabe a supervisão?

Cabe ao BCE a supervisão bancária de modo a avaliar se os bancos com dimensão significativa cumprem as regras destinadas a salvaguardar a boa governação, incluindo os requisitos de aptidão para se ser membro do Conselho de Administração de um banco.

Nos processo de avaliação de competência e de idoneidade, pelo BCE aplica-se a legislação relevante da UE que foi transposta para o direito nacional de cada um dos 19  países da área do euro. Onde a legislação da UE deixa espaço aos Estados-Membros para determinar a forma como a lei é transposta e por isso algumas diferenças nacionais continuam a existir. Respeitando essas diferenças, o guia visa harmonizar práticas de supervisão para a realização de avaliações de competência e de idoneidade dos candidatos a administradores de bancos da área do euro.

O BCE diz que trabalhou em estreita colaboração com a Autoridade Bancária Europeia (EBA) durante a elaboração do guia e também durante o processo de consulta pública. O guia está em consonância com as orientações da EBA e com as regras da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA), no que toca à avaliação da idoneidade dos membros do órgão de administração e detentores de funções essenciais, que foram objecto de uma consulta pública conduzida pela EBA.

O BCE salvaguarda que a harmonização da aplicação de critérios visa alcançar práticas de supervisão comuns. “Este guia não é, no entanto, um documento juridicamente vinculativo e não pode de forma alguma substituir os requisitos legais relevantes decorrentes do direito da UE”, explica o documento.

Este guia serve para todas as instituições sob a supervisão direta do BCE (instituições significativas), quer se trate de instituições de crédito ou companhias financeiras (conglomerados mistos), e também se aplica nos casos de licenciamento de novas instituições ou de qualificação de acionistas de instituições financeiras menos significativas (bancos mais pequenos).

Só há uma coisa que falta neste guia. Qual é o prazo para o regulador tomar decisões? É que há casos de avaliação de idoneidade e de adequação que se arrastam meses a fio, e outros que são rápidos e também nos casos em que é preciso autorizar entradas de acionistas ou em processos de vendas de instituições europeias esses prazos já chegaram a ser superior a um ano (foi por exemplo o caso da venda do Efisa).

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Créditos
Maria Teixeira Alves - O Jornal Económico
16 de Maio de 2017