Por Sequeira Mendes
Responsável pelo Posto Clínico das Caldas da Rainha

Nós, que desenvolvemos a nossa atividade no setor financeiro, embora pertençamos à mesma classe social (a dos trabalhadores), devemos ter a clareza e o entendimento que cada trabalhador e trabalhadora tem a sua história, as suas angústias, os seus desejos os seus sonhos e incertezas.

O sujeito da História são todos aqueles, homens e mulheres, que participam do processo histórico e que se encontram expostos às modificações e às alterações da conjuntura histórica em que se encontram enquadrados e que, por outro lado, contribuem com sinergias para a mudança e para a construção da História. Num contexto mais filosófico, o sujeito histórico é aquele que se formou e foi concebido a partir das inter-relações e das dinâmicas sociais, isto é, aquele que constrói a História e faz parte dela.

Assim sendo, todo o povo tem História, porém, essa História pode ser desconhecida por parte ou por todos os personagens desse povo. Essa História, mal contada ou mal escrita, pode ter sido descrita por uma pequena parte da sociedade, o que nos leva a concluir que ela depende dos que a contam, escrevem e interpretam.

Temos, assim, que a História, lato sensu, e a História do povo trabalhador em sentido estrito, dependem de quem a escreve, daqueles que no-la narram. Porém devemos aqui ter em conta as condições da pessoa, do historiador, pois aqueles que tiveram o privilégio de aceder a condições económicas e sociais vantajosas, que viajaram, que estudaram e fizeram as suas faculdades sem que para isso tivessem que trabalhar, tiveram do mundo um conhecimento fabuloso, extraordinário, ao passo que aqueles que carregaram em si condições económicas desfavoráveis, que trabalharam para ajudar a família, que pouco ou nada estudaram, pouco ou nada sabem da sua História, do lugar que ocupam na sociedade e no mundo, não têm condições, ou melhor, têm menos condições para escreverem a História.

No entanto, todos fazem parte da História, brancos, negros, ricos, pobres, mulheres, homens, velhos, crianças, sapateiros, professores e se bem notarmos, pouco ou nada a História fala deles e os aborda, ao contrário dos reis, dos banqueiros, dos presidentes, etc.

Onde está, então, a História dos pobres, das trabalhadoras e dos trabalhadores?

Alguém terá dito que “….a história dos ricos apaga a história dos trabalhadores e trabalhadoras”. As lutas populares, as comemorações dos deserdados são votadas ao silêncio. Quem se lembra das comemorações das lutas populares dos negros e negras contra o racismo, o preconceito e a escravidão?

E das mulheres contra o machismo, a desigualdade sexual, o assédio e a violência doméstica e sexual? E dos índios contra o genocídio, a destruição da sua cultura e a perda dos seus territórios? E dos camponeses contra a sua expulsão das terras, contra o latifúndio pela reforma agrária? E dos trabalhadores e trabalhadoras urbanos contra as longas jornadas de trabalho, contra os salários de miséria, contra o desemprego, contra a diminuição dos direitos coletivamente conquistados?

Quem se vai lembrar dos milhões de horas extras não pagas que os banqueiros roubaram aos trabalhadores bancários?

Estas são algumas das histórias desconhecidas e pouco lembradas. Apesar disso, houve muitas mulheres e muitos homens, muitas trabalhadoras e trabalhadores que se organizaram em movimentos de contestação, de revolta e resistência, enfrentando a dominação, a exploração e o silêncio das suas vozes. A história faz parte do nosso quotidiano, no lugar em que estivermos e em todas as ocasiões.

Mas é a nossa História que nos sufoca quando sobre ela se abate o silêncio.

 

Artigo de opinião originalmente publicado no Jornal dos Bancários nº 24 de Maio de 2021